"O ZECA"
de Joaquim Tavares
O Zeca era um menino franzino de tez queimada pelo sol, de cabelo escuro e forte.
O Zeca era um menino tímido que tinha vergonha dos adultos e das meninas, e que escondia o olhar quando lhe dirigiam a palavra.
Por vezes parecia que o Zeca não tinha amigos. Deambulava pelo bairro com uma pequena bola “agarrada” aos pés descalços. Até se dizia que o Zeca era um menino triste. Mas não, o Zeca não era um menino triste! O Zeca era um menino pacato, cheio de talentos escondidos só que não era menino de palavras. Também não eram precisas palavras! Bastava o seu olhar. Quando os seus olhos castanhos profundos nos olhavam…diziam tudo. E enquanto os seus olhos “falavam”, abria-se um sorrio e o seu rosto iluminava-se!
Apesar das correrias pelas ruas do bairro o Zeca gostava de estudar e de ir à escola. Não era aluno de “levantar a mão no ar” nem de fazer perguntas, mas quase sempre sabia responder ao que a professora lhe perguntava. No recreio da escola “brilhava” e seus dotes de artista da bola vinham ao de cima. Era aí que se via que o Zeca tinha muitos amigos! Abraçavam-no quando marcava golos e acarinhavam-no quando os falhava.
Com tudo isto o Zeca era um menino feliz. Como muitos rapazes da sua idade, o Zeca também se apaixonou pela sua professora. Perdia o olhar com a mão no queixo e de cotovelo no tampo da carteira. E com esta felicidade foi crescendo, aprendeu a ser rapazote e deparou-se com a figura de homem.
Apesar de não ser mau aluno o Zeca não quis ser doutor ou engenheiro. Ficou-se pelo sétimo ano do liceu. Quis dedicar-se ao trabalho e abraçou a sua profissão.
Namorou, apaixonou-se umas quantas vezes e amou.
Um dia houve em que foi chamado para “cumprimento do seu dever de homem e por amor à pátria”! Cumpriu o serviço militar e voltou para a sua cidade.
Mais uma vez o Zeca apaixonou-se e um dia, não com o olhar, mas com palavras disse aos pais que iria casar.
É que ele já era um homem, e um homem tinha que falar. Aliás já falava com toda a gente! O Zeca casou, já não me lembro com que rapariga, mas recordo-me vagamente do seu rosto…um rosto franzino mas belo.
Viveram felizes, tiveram um casal de filhos e fizeram das suas vidas um rosário de contos e de estórias. Nem sempre belos contos, nem sempre estórias de final feliz, mas lutaram para que de todas elas não se envergonhassem.
Hoje, o Zeca está velhinho! Já não tem tez escura nem cabelo forte! Sua pele, macia e rosada, já não suporta o sol de outros tempos! O cabelo disse-lhe adeus, substituído pela calvície. O olhar do Zeca já não “fala”, mas ainda “sorri”. Por vezes esse olhar perde-se no tempo e parece que voa, viajando para longe…
Agora o Zeca, sentado na sua cadeira de baloiço, junto á janela da sala, olha para a rua à procura de meninos “Zeca” brincando. Mas os meninos já não brincam na rua! Já não andam com a bola colada aos pés descalços nem de calções de caqui bege.
Lentamente o Zeca roda o rosto e dos seus olhos que a penumbra não deixa ver, rolam duas lágrimas…
Abril/2013